Secretária do Meio Ambiente do Ceará promete diálogo permanente com a sociedade civil

Compromisso foi firmado no primeiro encontro com a sociedade civil, realizado hoje em Fortaleza.
Secretária do Meio Ambiente do Ceará promete diálogo permanente com a sociedade civil

No dia 10 de fevereiro de 2023, o primeiro encontro da Secretária de Meio Ambiente e Mudança Climática do Ceará, Vilma Freire, com representantes de movimentos sociais. Foi no espaço Cine Cocó, do parque do Cocó em Fortaleza, que pessoas oriundas de diversas comunidades e regiões do Ceará apontaram pautas cruciais para a agenda socioambiental, bem como os problemas relativos à energia e emergência climática.

Vilma Freire sublinhou que o momento era exclusivamente voltado para a escuta nesse primeiro encontro, e afirmou que sua gestão atuará de forma comprometida com o diálogo com a sociedade civil. “Nossa secretaria vai estar sempre de portas abertas para a gente discutir em conjunto antes de tomar qualquer decisão. Por mais que nessa decisão a gente venha a divergir, (que) eu não consiga atingir expectativas, mas o processo de escuta vai acontecer.”, disse a nova secretária do governo estadual, cuja pasta passa a contar a partir de 2023 com uma coordenadoria voltada especificamente para o tema do Clima.

Presente no encontro, a Terramar reafirmou a importância dessa abertura e da participação social em todas as instâncias necessárias para que os direitos humanos, a proteção aos ecossistemas, comunidades e modos de vida sejam respeitados. Considera que o respeito aos direitos conquistados é o dever do Estado em todas as suas autarquias, mas que em inúmeras circunstâncias esses são violados pelas instâncias de Município, Estado e União, inclusive nos governos autodenominados progressistas.

Andréia Camurça, coordenadora de direitos territoriais do Instituto Terramar e vice-presidenta do Conselho Deliberativo (Condel) do Programa Estadual de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos (PEPDDH), concorda que é necessário garantir um canal de diálogo firmado, já que a maior parte das pessoas inseridas no Programa o estão por conta de conflitos ambientais e fundiários na Zona Costeira (cerca de 60%). E acrescentou: “Nós, enquanto programa de proteção, precisamos entender o cenário desses conflitos. Muitas vezes a ameaça é por isso: pela conivência das autarquias municipais, pela ausência do Estado. (…) [O Estado] diz ‘Precisamos garantir segurança jurídica para que os investidores venham aqui.’ Mas e as comunidades? Qual a garantia jurídica que elas têm de se manter em seus lugares?”.

Na agenda do Clima, o executivo do Estado foi também cobrado para fiscalizar e se responsabilizar nos casos de  descumprimento a acordos internacionais de proteção ao clima, meio ambiente e direitos humanos dos megaprojetos que se instalam em territórios. Há uma expectativa pela descarbonização de nossa economia, com a eliminação de incentivos à instalação de termelétricas a gás, bem como a necessidade de evitar nova instalação dessas termelétricas. Os impactos e danos recaem, sobretudo, em comunidades tradicionais e litorâneas, seguindo uma lógica institucionalizada de racismo ambiental que alia a atuação do empresariado a omissão e/ou conivência do Estado. 

“Não dá para o estado do Ceará continuar a nos ignorar. É preciso fazer cumprir a Convenção 169 da OIT. Quem defende o meio ambiente, não é a SEMA, não é o IBAMA, somos nós.” frisou João do Cumbe, representante da Comunidade Quilombola do Cumbe, membro de diversos fóruns e coletivos em defesa dos direitos humanos, territórios e meio ambiente no Ceará.

O respeito à Convenção 169, ratificada pelo Brasil como decreto em 2009, foi amplamente cobrada. Ela exige que as comunidades tradicionais sejam consultadas diante de projetos, incluindo políticas públicas, que são planejadas e intervêm dentro de seus territórios. “A gente existe, e [exige] que a Convenção 169 seja aplicada no Ceará. Que comunidades sejam informadas e consultadas quanto a esses empreendimentos.” destacou Tita, pescador de Tatajuba, membro da Articulação Povos de Luta. 

Tita se referiu às planificações de eólicas marinhas, que têm hoje 21 projetos em fase de licenciamento no Ceará. E complementa: “Esses empreendimentos tendem a privatizar dezenas de quilômetros de mar. Exatamente onde existe pesca artesanal nos nossos territórios. Esses empreendimentos, além da privatização das águas, acarretam junto com si, em vários crimes ambientais, que são irreversíveis.”.

Sobre as eólicas, Soraya Vanini Tupinambá, coordenadora, no Ceará, do projeto “De Mãos Dadas Criamos Correnteza”, chamou atenção para a necessidade do planejamento espacial marinho, projeto nacional ainda não efetivado no Ceará. Destacou que a atribuição da gestão do mar territorial é do órgão ambiental estadual, considerando que cerca de 22km de mar (mar territorial) integra o conceito de zona costeira e que sua gestão é estadual. 

Antes de os órgãos municipais de meio ambiente concederem qualquer anuência para os projetos de eólicas, Soraya lembrou que essa é uma atribuição da SEMACE, e que tal anuência não pode ser dada para áreas de relevância para a sociobiodiversidade (áreas de pesca artesanal, recifes costeiros, áreas de nidificação e do ciclo de vida de tartarugas, peixes-boi, e outras espécies ameaçadas). Além disso, reforçou que não deve ficar nas mãos dos municípios o papel de licenciar, ou mesmo ser ele o único a fiscalizar as normativas, devendo os órgãos estaduais e federais também se implicarem nessa função.

Helena Soares, educadora, membro da Articulação Povos de Luta e da APAPAIS da comunidade de Caetanos de Cima (Amontada-CE), destaca “Somos contra o desenvolvimento, que não nos consulta. (…) A gente brigou para que essa gestão se elegesse. [Por um] governo que seja pelo menos minimamente popular. Precisamos ser consultados.” E sobre a responsabilidade pública de fiscalização, destaca: “Amontada é um dos municípios mais problemáticos quanto ao licenciamento ambiental. Essa área hoje sofre o máximo com grilagem, especulação imobiliária. As praias hoje estão cercadas pela especulação.” e pontua: “Esperamos sinceramente que essa gestão seja melhor.”

Além dos riscos apontados em torno dos projetos de energia renovável continentais e no mar, incluindo de energia solar, foram trazidos também os perigos e crimes socioambientais atrelados a atividades econômicas citadas por Helena, como grilagem, especulação imobiliária, turismo predatório de massa, além de outros como carcinicultura, agronegócio monocultivo com uso de agrotóxicos com conhecidos riscos para saúde, mineração, e energia nuclear. Essas atividades econômicas que hoje estão como prioritárias na pauta das políticas do Estado são as que provocam os mais graves impactos e danos socioambientais e climáticos. 

Romária Holanda, educadora social da Terramar, também oriunda da comunidade de Caetanos de Cima indagou diretamente a secretária “até quando nossos corpos irão sangrar em detrimento do tal desenvolvimento?”. Elucidando as raízes históricas racistas das desigualdades que hoje formam a sociedade e a responsabilidade dos agentes públicos em enfrentar as injustiças e o racismo ambiental, e não de os aprofundar, Romária afirmou ainda “Queremos nossos direitos garantidos – água, dunas, rio, beira da praia e mata, que para nós é lugar sagrado e isso muitas das vezes é desconsiderado.”.

De um modo geral, espera-se que o encontro seja um sinal de abertura efetiva ao diálogo, tendo sido importante também que as entidades presentes ali expressassem as preocupações com os limites das desigualdades estruturais e as urgências de reparação histórica. A expectativa é que a posição da secretaria seja a de um diálogo não restrito à escuta, mas com o compromisso de que as necessidades das comunidades e da realidade ambiental do estado sejam de fato consideradas.

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