Características
A comunidade de “Caetanos de Cima” compõe o Assentamento de Sabiaguaba, junto com as comunidades “Pixaim” e “Matilha”. A área do assentamento é de cerca de oitocentos hectares e se localiza no município de Amontada, vizinho ao município de Itapipoca, no litoral oeste do Ceará.
Com grande beleza natural, estão presentes, no cenário de Caetanos, o tabuleiro litorâneo, as nascentes dos córregos, lagoas perenes e sazonais, os campos de dunas e a faixa de praia, além de eolianito ou “dunas cimentadas”, chamadas localmente de Cascudos, que são formações raras de natureza siliciclástica, fracamente cimentadas por carbonato de cálcio. Na área do mar, estão arenitos de praia e os recifes de corais. Todos esses ambientes se relacionam com o modo de subsistência da comunidade e com a biodiversidade que emana do sistema costeiro.
A comunidade é composta por 267 moradores, em oitenta famílias, descendentes de indígenas e populações sertanejas que chegaram ao território através de migrações do interior para a costa; a população local vive, principalmente, da pesca artesanal, agricultura familiar, comércio de côco seco, castanhas de caju, ou seja, um modo de vida tradicional.
Caetanos de Cima tem intensa organização política e cultural: seus representantes são maioria na Associação dos/as Pequenos/as Agricultores/as e Pescadores/as Assentados/as do Imóvel Sabiaguaba (APAPAIS). Além de possuir um Grupo de Mulheres, é constituído por vários grupos culturais, como: o grupo de dança Raízes do Coco, o Grupo de Teatro, o Coletivo Terreiro Cultural, a Capoeira, as iniciantes do Batuque, bem como artesãs e artesãos. A comunidade tem uma importante luta pela Educação e, recentemente, conquistou, a Escola de Educação do Campo Maria Elisbânia dos Santos, com educação contextualizada, sendo a única Escola do Campo do município de Amontada.
Organizada também em torno de atividades produtivas, há, em Caetanos de Cima, uma Casa de Farinha comunitária, onde a farinhada é realizada de forma coletiva, muitos quintais produtivos, o Restaurante das Mulheres e uma estrutura básica para a atividade comunitária de turismo, a pesca artesanal, os quintais produtivos, trilhas ecológicas, e, recentemente, estão desenvolvendo um projeto de produção de biogás natural.
Histórico
A crise climática global, gerada pelo modelo desenvolvimentista, pressionou os países a construir acordos que reduzissem as emissões de CO². A aprovação do Acordo de Paris, em 2015, elenca uma série de compromissos para limitar o aumento da temperatura global a 2,0°C e, preferencialmente, em 1,5 ° C, acima dos níveis pré-industriais.
Para alcançar essa meta, o mundo tem que reduzir pela metade as reduções até 2030 e neutralizar o carbono em 2050, o que significa uma transformação na matriz energética mundial, reduzindo drasticamente a queima de combustíveis fósseis e o investimento em fontes renováveis.
Nesse contexto global, o Brasil tem ampliado significativamente a instalação de projetos de transição energética, principalmente energia eólica e solar. Para a geração eólica, existem 827 projetos instalados, 80% no nordeste. O Ceará é o quarto estado em capacidade instalada. O setor eólico tem expectativa de dar início da geração de energia em alto mar (offshore); os planos apontam potencial superior do que os projetos no continente (onshore), e já existem mais de sessenta projetos no Brasil em análise pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), sendo dezoito no Ceará e cinco empreendimentos com influência direta na comunidade de Caetanos de Cima.
O território do Assentamento Sabiaguaba era, originalmente, ocupado por indígenas da etnia Tremembé. Com a migração de populações do semiárido em direção ao mar, foi se constituindo a comunidade de Caetanos de Cima e outras vizinhas cujas memórias são transmitidas pela oralidade. Foi, na década de 1980, que, a partir das lutas camponesas locais, foi criado o Assentamento Sabiaguaba. Até hoje, os comunitários seguem um modo de vida tradicional, com suas bases produtivas ligadas ao uso coletivo e autogestionado do território.
Atualmente, Caetanos tem uma importante liderança na luta pelos direitos dos assentados e agregados, em defesa do território e dos ecossistemas. Importante ressaltar, desde as lutas camponesas pela Terra, a forte participação das mulheres da comunidade, que trouxeram, para o debate camponês, o enfrentamento às violências contra as mulheres e as lutas por seus direitos ao território, à educação, às artes, à saúde e à soberania alimentar. Atualmente, são maioria na associação e na liderança dos grupos locais, com intensa convivência intergeracional; elas vêm provocando debates interseccionais, com destaque para as diversidades sexuais e livre orientação de gênero, e incorporam outras perspectivas de sustentabilidade e justiça socioambiental no território.
O conflito
Caetanos de Cima tem longo histórico de lutas e resistências. Desde a homologação do assentamento junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), nos anos 1980, a comunidade enfrentou várias disputas com interesses de latifúndios, empresários locais e estrangeiros, tendo como principais conflitos a especulação imobiliária, o turismo convencional e, mais recentemente, os parques eólicos para geração de energia.
Embora não existam parques instalados em Caetanos, as comunidades do entorno convivem com os impactos dos parques “onshore” instalados nas proximidades. Recentemente, houve o anúncio da instalação de parques “offshore” na região da praia e mar, afetando várias comunidades. Essa ameaça provoca um clima de medo, considerando a experiência da região e de outras localidades que tiveram esses parques instalados. A comunidade não foi consultada quanto a esses projetos.
A implantação dos parques eólicos, vendidos como fonte de energia limpa, produz uma série de impactos e conflitos socioambientais nas comunidades. A fixação dos aerogeradores requer uma grande alteração no ambiente, mudando significativamente as características ecológicas e morfológicas desses ecossistemas.
Desmatamento, remoção de areia, impermeabilização e compactação das dunas e soterramento de lagoas interdunares são exemplos de alterações registradas nos parques onshore. O uso das águas também é uma questão, com a observação de contaminação e redução no tamanho das lagoas e das águas disponíveis nos lençóis freáticos. Outro problema é a distância mínima de localização das torres em relação às residências, sem regulação satisfatória no Ceará. Na região, existem torres a menos de 150m de áreas habitadas, com grande poluição sonora e insegurança para as pessoas. Em outros países, há um aumento dessa distância que chega até a 1,5Km na Alemanha.
Como nova fronteira de exploração, estão planejados pelo Estado e pela iniciativa privada, cinco empreendimentos de parques eólicos offshore, com 888 aerogeradores na área marinha usada e ocupada pela comunidade de Caetanos de Cima. Tal fato é agravado pela previsão de, pelo menos, oito grandes empreendimentos vizinhos, podendo alterar drasticamente os ecossistemas marinhos da região.
Observa-se um processo de neocolonização na implantação dos parques: os ativos do setor, na região, estão diretamente relacionados ao mercado internacional e o produto também é para abastecer outros países, enquanto a comunidade local fica com os prejuízos e os impactos gerados, com grande assimetria de poder com relação ao setor empresarial que se articula com agentes do Estado.
Uma “transição energética justa” deve ser construída para os territórios, com e junto dos territórios, no mais profundo diálogo com as comunidades, ouvindo as demandas, elaborando estratégias e planos para compatibilizar a contenção das mudanças climáticas e a manutenção das práticas tradicionais, da cultura e do modo de vida das comunidades pesqueiras.
Impactos cumulativos e sinérgicos
Os impactos que a implantação desses grandes projetos trazem para as comunidades são diversos e com diferentes fases. Para a implantação, há um intenso e constante processo de migração de trabalhadores que trazem efeitos subsequentes, sem vínculo com o território, com forte assimetria econômica em relação à população local e com previsão de tempo de partida; aumentam os índices de criminalidade, uso de drogas e violências, incluindo a sexual. Os serviços públicos como saúde, educação, segurança pública, já defasados, ficam sobrecarregados e não conseguem atender a demanda. Crescem os nascimentos sem paternidades reconhecida, o que, na região, chamam de “filhos do vento”.
A comunidade, que tem uma vida pacata, teme pelo aumento da insegurança e da criminalidade que afeta, de forma mais brusca, as mulheres. Ainda nessa fase, há uma deterioração da infraestrutura local, com grande trânsito de trabalhadores e equipamentos, piorando a qualidade das vias de acesso, o uso excessivo de água, ameaçando o desabastecimento da comunidade e a transformação dos ambientes para fixação dos aerogeradores.
Há grandes ameaças às práticas sociais, culturais e ao patrimônio natural por meio da degradação e da fragmentação dos campos de dunas e demais ecossistemas no entorno dos projetos, além de afetar o modo de vida local e as práticas sociais, produtivas e culturais estabelecidas historicamente.
A pesca artesanal sofrerá grandes impactos: a perspectiva de degradação dos mares, com instalação de centenas de aerogeradores, com impactos à biodiversidade marinha. Os aerogeradores estão previstos para serem instalados próximos da costa, em local de tráfego das embarcações, com isso serão criadas “áreas de exclusão” para a pesca. Além dos riscos de contaminação e poluição sonora que implicam na qualidade e quantidade do pescado.
As mulheres recebem uma carga maior dos efeitos indesejáveis dos projetos, sendo alvo das mais diferentes formas de violências produzidas por esses empreendimentos, seja na fase de instalação dos parques, com a exploração sexual, gravidez indesejada na adolescência, seja na fase de operação. Por serem as principais protagonistas das ações de resistência, na liderança da associação e dos grupos locais, também ficam em situação de maior desgaste frente aos conflitos.
Estudo de Caso
Em 2022, foi realizado pelo projeto “De Mãos Dadas Criamos Correnteza” um estudo de caso para identificar e analisar as principais violações de direitos humanos, conflitos e impactos socioambientais promovidos por grandes empreendimentos da cadeia produtiva da energia eólica continental e marítima em uma comunidade costeira no estado do Ceará, Caetanos de Cima. Buscou-se evidenciar os ecossistemas, o modo de vida, a cultura, as práticas tradicionais, as relações sociais, ambientais e produtivas e de que forma estas foram afetadas atividades para geração de energia eólica, com destaque para o impacto para as mulheres e populações vulnerabilizadas. Clique aqui para acessar!