I Reponta das Marés e das Águas reúne em Brasília representantes de comunidades extrativistas costeiras e marinhas e elabora documento pertinente para atenção e reivindicação a direitos

Comitiva cearense esteve no evento e compartilhou os desafios para as populações tradicionais da costa cearense, com foco na planificação de megaeólicos para o mar, com a campanha “eólicas no mar não!”.

Na semana de 22 a 26 de maio, representantes de comunidades tradicionais e membros do comitê local do projeto De Mãos Dadas Criamos Correnteza pelo Ceará estiveram presentes na I Reponta das Marés e das Águas, encontro de extrativistas costeiros marinhos organizado pela CONFREM – Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiras e Marinhas.

O encontro, cujo nome ilustra o momento de virada da maré baixa para a maré cheia, em revirada do fluxo das águas, representa um passo fundamental da participação social de comunidades tradicionais em relação de vida com rios, manguezais e o mar na política pública, pela criação de espaço de troca, fortalecimento das pessoas defensoras da sociobiodiversidade marinha e costeira e pelo espaço de fala com representantes do governo brasileiro. Financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente – GEF, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, esse espaço possibilita a urgência, em um país tão diverso, de ouvir as vivências, violações de direitos, tradições, diversidades de existência e modos de produção, além de recomendações para resguardar territórios/maretórios e modos de vida de povos extrativistas marinho-costeiros, cuja existência se dá em harmonia e defesa dos ecossistemas, em benefício a todo planeta. 

Ressalta-se que essas atividades ocorrem na semana em que se aprovou no Congresso Nacional a desarticulação de algumas atribuições fundamentais para resguardar direitos de populações tradicionais, como o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e o Ministério dos Povos Originários.

A I Reponta das Marés e das Águas contou com representantes de 16 estados brasileiros, do Amapá ao Rio Grande do Sul, e a comitiva do Ceará contou com Helena Soares, presidenta da APAPAIS – Associação do Assentamento Sabiaguaba, Beatriz Goes, liderança da Resex Prainha do Canto Verde, secretária do Conselho Deliberativo da Unidade de Conservação e membro da rede TUCUM de Turismo Comunitário, Soraya Vanini Tupinambá, coordenadora técnica do projeto De Mãos Dadas Criamos Correnteza pelo Instituto Terramar no Ceará, e membro do Conselho da Reserva Extrativista da Prainha do Canto Verde, Roberto Robeiro, pescador tradicional também da RESEX da Prainha do Canto Verde e um dos fundadores do Instituto Terramar, José Alberto, também pescador artesanal da RESEX Prainha do Canto Verde, João Batista (Tita), liderança e pescador tradicional de Tatajuba e Carlos Alberto Pinto dos Santos (Carlinhos), presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). Helena e Beatriz compõem ainda o Comitê Local de governança do projeto De Mãos Dadas Criamos Correnteza no Ceará e integram a Articulação Povos de Luta, de que Tita também é parte, movimento que reúne comunidades costeiras do Ceará em preservação e proteção a seus direitos diante da ameaça de instalação dos parques eólicos nos seus territórios. 

Foto: Projeto TerraMar (GIZ/MMA)

Fruto do encontro, foi criada a Rede Nacional de Mulheres da CONFREM,  uma organização que atuará vigilante e forte no sentido de discutir e formular questões para a garantia dos direitos das mulheres extrativistas costeiro marinhas, bem como uma Secretaria de Juventude com atenção para participação das jovens lideranças na construção do Comissão.

Os guardiões e as guardiãs da sociobiodiversidade costeira e marinha, como eles mesmo se denominam (com razão), elencaram estes dois segmentos e mais 12 questões, em um conjunto de estratégias apresentadas para representantes do poder público e a sociedade em geral. São elas:

1 – Defesa da democracia;

2 – Defesa e fortalecimento das políticas sociais e de meio ambiente;

3 – Retomada da criação de novas reservas extrativistas costeiro e marinhas;

4 – Regularização fundiária em nossas reservas extrativistas;

5 – Qualificação e fortalecimento da gestão nas unidades de conservação;

6 – Integração de políticas públicas de meio ambiente e sistemas produtivos extrativistas costeiro marinhos;

7 – Desenvolvimento de projetos especiais para o fortalecimento comunitário;

8 – Mudanças climáticas;

9 – Impactos de grande projetos econômicos;

10 -Garantia de direitos e fortalecimento das comunidades extrativistas costeiras e marinhas;

11 – Rede Nacional de Mulheres da CONFREM;

12 – Políticas para a juventude;

13 – Participação do MMA a resolução de conflitos de sobreposição com unidades de conservação de proteção integral estadual;

14 – Garantia da implementação das ações de resolução de conflitos nas unidades de conservação de proteção integral federal;

15 – Campanha de Defesa da Política de Pesca Sustentável no Rio Grande do Sul. 

Estas questões foram elaboradas em uma carta, que pode ser acessada na íntegra aqui.

A ameaça das eólicas marinhas para os territórios/maretórios marinho-costeiros

Os(as) representantes cearenses participantes da I Reponta das Marés e das Águas levaram a preocupação diante do grande número de planificações de eólicas marinhas para o litoral cearense e os riscos relacionados a elas.

Soraya Vanini Tupinambá, em mesa sobre conjuntura junto com representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e da CONFREM, alertou para o necessário conhecimento e aprofundamento sobre o tema, pela ameaça que esses megaempreendimentos figuram em relação ao uso múltiplo do mar, a sociobiodiversidade e os modos de vida das comunidades tradicionais.

Helena Soares e Beatriz Goes com a ministra Marina Silva. Foto: Roberto Ribeiro (Painho)

Em mesa com a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no encerramento do evento – Beatriz Goes pediu que a ministra se sensibilize com as causas do Ceará e denunciou que os projetos de eólicas offshore (marinhas) estão sendo planejados sem diálogo com as comunidades ou atenção às necessárias zonas de exclusão de atividades pesqueiras e fauna em ameaça de extinção. “Querem implementar sem conversar com as comunidades. (…) A gente não é contra as energias renováveis, mas do jeito que estão fazendo a gente não quer. A gente quer que converse com as comunidades, compreendam as comunidades, mas do jeito que querem implementar as eólicas, vão acabar com a pesca artesanal.”, ressaltou em sua fala.

A consulta às comunidades tradicionais é dever do Estado diante de políticas públicas, obras e projetos que de algum modo afetem a vida e territórios dessas comunidades, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é signatário e diante da qual responde caso descumpra as determinações, a exemplo do caso da implementação da base de lançamento de foguete em territórios quilombolas em Alcântara no Maranhão que tornou o Brasil réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos .

Como manifestação em alerta às megaeólicas marinhas, as representações da Articulação Povos de Luta lançaram a campanha “Eólicas no mar, não!” que teve adesão de uma série de participantes da I Reponta das Marés e das Águas. A campanha chama atenção para a ausência de consulta aos povos do mar e para o objetivo desses parques eólicos que não estão voltados para a produção de energia para as populações, “mas sim à produção do hidrogênio verde, em detrimento à privatização das águas, da redução de espécies, como a lagosta, do afastamento de cardumes, da intervenção da formação de ondas, podendo afetar a dinâmica costeira, do impedimento de migração das aves e abelhas e tantos outros problemas que vão nos afetar diretamente.” (Trecho da Carta Aberta da Articulação Povos de Luta em posicionamento contra as eólicas marinhas).

José Alberto (Beto) da RESEX da Prainha do Canto Verde. Foto: Soraya Vanini Tupinambá.
Cleusa Rocha, da RESEX Marinha do Arraial do Cabo. Foto: Soraya Vanini Tupinambá.
Tita, liderança e pescador artesanal de Vila Nova, Tatajuba (Camocim – CE). Foto: Soraya Vanini Tupinambá.

Quando esta matéria está sendo postada, a agenda de diálogo dos povos do mar no Ceará avançou por ter tido na semana de 29 maio – 02 de junho espaços de debate com representantes do poder público, dentre eles o governador Elmano, o superintendente do IDACE João Alfredo Telles Melo, além de encontro com representantes do Ministério Público Estadual, Federal, da Defensoria Pública Estadual e Federal. Essas reuniões são fruto das mobilizações e reivindicações dos movimentos e organizações cearenses em defesa dos direitos humanos, clima e sociobiodiversidade, que seguirão atentos(as) e ativos(as) no monitoramento e participação política sobre as diretrizes adotadas para o estado do Ceará nas agendas de clima e energia.

Foto da capa de Foto: Mariana Bitencourt / GIZ

Publicado pelo Núcleo de Comunicação do Instituto Terramar.

Facebook
Twitter
WhatsApp