Eólicas Na América Latina – Uma Análise Da Política Energética Brasileira e Chilena a Partir da Troca Entre Organizações E Comunidades dos Dois Países

Comunidades e organizações oriundas de algumas regiões afetadas por projetos de energia eólica no Brasil e Chile iniciam troca sobre projetos e impactos da chamada energia renovável, que vem crescendo exponencialmente nos últimos anos na América do Sul.
EÓLICAS NA AMÉRICA LATINA

“Somos feitas de encontros”. Assim define Romária Holanda – travesti, educadora social do projeto “De Mãos Dadas Criamos Correnteza” pelo Instituto Terramar, e oriunda da comunidade de Caetanos de Cima (Amontada-CE) – sobre o que fundamenta um intercâmbio. O fim da pandemia do COVID-19 ou de sua fase crítica, após o advento das vacinas e da vacinação em massa, possibilitou que encontros presenciais entre comunidades, organizações de diferentes locais pudessem acontecer. As trocas nesses encontros, apesar de focarem nas violações de direitos, ecossistemas e modos de vida, foram e são sobretudo meio de fortalecimento, acolhimento, formação e construção de estratégias de luta. Muitas vezes, ouvir a experiência de outras pessoas e comunidades, alarga a percepção do que acontece em nossas próprias vidas, e a roda de fala e escuta sobre o mundo firma a noção de que o dia-a-dia de cada um (a) de nós é afetado por um projeto político e econômico global em que tudo que importa é o lucro, que opera de maneira semelhante nos diferentes locais, mas tem impactos desiguais para diferentes populações, prejudicando sobretudo as mais vulnerabilizadas, e que precisa de uma soma de esforços muito grande para ser freado.

Com essa noção à vista, comunidades afetadas pelos projetos de energia eólica e organizações sociais também em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos iniciaram uma troca com foco em duas regiões da América Latina em que os projetos da chamada energia renovável vem crescendo exponencialmente nos últimos anos: a região central do Chile e o estado do Ceará, no nordeste brasileiro. As organizações Observatório Latino Americano de Conflictos Ambientales – OLCA (Chile), o Instituto Terramar (Brasil) e a Fundação Rosa Luxemburgo (Fundação alemã – Escritório Brasil e Paraguai – Escritório Argentina, Uruguai e Chile), junto com representantes das comunidades impactadas tanto no Chile quanto no Brasil, iniciaram em 2022 uma conversa que originou uma série de encontros, alguns ainda por vir.

O último encontro desse intercâmbio, presencial, foi de Vilma Mellado – coordenadora socioambiental da Biobío, organização chilena que atua desde a comunidade El Ciruelo Sur – que veio para o Ceará entre 24 a 30 de janeiro de 2023. Vilma foi acompanhada por assessoras do Instituto Terramar que a conduziram por três comunidades fortemente impactadas pelos projetos eólicos – Quilombo do Cumbe, RESEX da Prainha do Canto Verde e RESEX do Batoque, presenciando nesta última nos dias 28 e 29 o 3º Intercâmbio dos Povos de Luta, articulação formada por habitantes da Zona Costeira cearense em defesa de seus territórios, modos de vida e ecossistemas frente aos projetos de eólicas marinhas que são planejadas para o Ceará.

Brasil e Chile – Breve contexto 

Chile

Tido como o laboratório do neoliberalismo na América Latina, após ter passado por uma ditadura militar de extrema direita articulada com multinacionais estrangeiras desde a década de 1970, hoje está comandado por um governo de esquerda, presidido pelo ex-líder estudantil Gabriel Boric, mais novo chefe do executivo eleito na história chilena, e tem a reforma constitucional como uma das pautas centrais no país. O Chile vive a herança de uma política austera com o social, a previdência, a educação e a saúde, sem uma legislação que assegure direitos básicos de dignidade para a população e participação popular.

O país é tido como uma das pontas de lança da energia renovável no mundo, impulsionando a energia eólica com incentivo fiscal, subvenção de 30% dos custos de implantação e operação, abertura de mercado, facilidade e agilidade na implementação dos projetos. E energia eólica já é responsável por 27,5% da energia renovável consumida no Chile, que anunciou um plano de descarbonização da economia para até 2050 ter 70% da energia consumida oriunda de fontes renováveis, seguindo assim no fortalecimento e incentivo à aprovação dos projetos de energia eólica.

Brasil

Recém liberto do terror humanitário e ambiental que foi a gestão de Jair Bolsonaro (PL) na presidência, fruto do histórico esforço multilateral de uma frente ampla democrática para derrotar o fascismo, o Brasil arqueja tentando reconstruir aspectos basilares de sua democracia. Apesar de a reconstrução dos órgãos de fiscalização ambiental e fundiária de fato estarem em curso e já haver sinais de uma política mais atenta à conservação ambiental e às mudanças climáticas na atual gestão com Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o atual presidente Lula (PT) acena para uma política energética  brasileira ainda firmada em um desenvolvimentismo hegemônico global e em acordos possivelmente desiguais para o país. Podemos citar nesse sentido o acordo Mercosul-UE, o incentivo à produção de hidrogênio verde para exportação, o incentivo a mega projetos centralizados de energia eólica desprovidos de estudo de impacto e de licenciamento trifásico e mesmo a continuidade no estímulo a grandes projetos de impacto socioambiental, como grandes indústrias, monocultura, complexos portuários e agropecuária.

“Basta de abusos no Chile, basta de abusos no Brasil, em todas as partes onde as empresas entram e saem fazendo o que querem. Vamos defender nossa terra, porque somos vida! Sem água e sem terra não somos nada. Basta de abusos!” (Vilma Mellado, comunidade El Ciruelo Sur – Chile)

Paralelo Brasil-Chile

O intercâmbio entre comunidades brasileiras impactadas pelas eólicas e a ativista Vilma Mellado, vinda de uma região agrícola no centro do Chile, permitiu observar aspectos em comum nos projetos de geração de energia eólica dos dois países. A começar pelo racismo ambiental, cerne do desrespeito com as comunidades que vivem nos territórios onde os empreendimentos são instalados: não houve e não há consulta  livre, prévia e informada sobre a instalação dos parques aos moradores dos territórios explorados, como exige a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, de que Brasil e Chile são signatários. Além disso, não houve estudo ambiental conduzido pelo Estado, e sim por empresas contratadas pelas donas dos projetos eólicos, interessadas em aprovar de maneira rápida as etapas de licenciamento ambiental para iniciar a operação dos parques, o que acarreta em camuflagem de uma série de impactos socioambientais que prejudicam os ecossistemas, a segurança e soberania alimentar, e os modos de vida das comunidades que deixam de ter acesso aos bens comuns que antes tinham. É o caso da restrição ou dificuldade de acesso à água potável nos dois países, acesso a lagoas e praias para pesca no caso do Ceará, ou mesmo a caminhos dentro da comunidade, dentre eles sítios arqueológicos e áreas de preservação permanente. Isso sem falar nos impactos psicológicos e sobre a vida das pessoas, causados pelos ruídos da construção e operação das torres nos dois países, no caso do Chile com aerogeradores a menos de 200m das casas. Outro paralelo possível de ser feito é a estratégia das empresas gigantescas, de capital internacional, em aliarem-se ao Estado como parceiras na execução dos projetos e terem como tática a divisão das comunidades, vendendo a ideia do desenvolvimento e da capacitação como progresso para as regiões que receberão os parques, prometendo empregos que só se concretizam para poucos na fase da instalação. A cisão comunitária dificulta ainda mais a luta comunitária de parte significativa dos moradores em prol da preservação de modos de vida e territórios.

Quanto às diferenças, observamos que no Chile há o chamado “efeito sombra” que tem dimensões muito piores que no Brasil: os parques estão tão próximos às residências, e foram construídos de tal forma, que suas sombras têm cerca de 2 hectares (20.000m2) e bloqueiam a luz de poucos em poucos segundos, em alguns casos prejudicando, junto com o ruído próximo do barulho das hélices girando, a saúde dos animais e das pessoas. Lá, há também o agravante de uma legislação que protege sobremaneira as empresas, garantindo às pessoas apenas “o direito de viver em um meio ambiente são e livre de contaminação”, como nos contou Vilma, mas sem que a teoria seja aplicada na prática, já que não há um serviço de defensoria pública eficaz, existe uma defasagem nos órgãos de defesa ambiental (uma superintendência que atende a 14 comunas conta com apenas 5 funcionários na região de Vilma), uma polícia vendida (os chamados carabineiros) e uma perseguição velada aos defensores de direitos humanos e preservação ambiental.

A organização comunitária no Ceará chamou a atenção de Vilma, que destacou que essa experiência pode e deve ser replicada no Chile, já que a união das pessoas observada nas comunidades cearenses fortalece a luta e encoraja as pessoas diante de projetos que são tão grandes e desproporcionais em posses e proteção estatal.

Uma última diferença a ser destacada toca mais um de muitos impactos na vida das mulheres. No Chile, os trabalhadores não adentram a vida comunitária como acontece no Brasil. Lá os trabalhadores dos parques, desde sua construção ao seu pleno funcionamento, são levados de outros lugares para os parques, em ônibus contratado pela empresa, e ao fim do expediente retornam para seus territórios, pouco ou quase sem nenhum convívio com a comunidade. No Brasil, as empresas alugam casas dentro das comunidades, levando centenas de homens de fora dos territórios para dentro, onde aumenta então o número de bares, consumo de drogas, de assédio e abuso moral e sexual. Após esse período de perturbação à vida comunitária, muitas mulheres são deixadas com os chamados “filhos do vento”, fruto do machismo e irresponsabilidade paterna que deixam mães solo no território quando acabam os contratos de trabalho.

Esses pontos foram levantados nas conversas feitas durante a caravana do intercâmbio pelo Ceará, e muitos deles foram comentados em uma tarde agradável à beira do mangue na comunidade do quilombo do Cumbe (Aracati-CE), no dia 26 de janeiro, ao redor de uma mesa de café da casa de Luciana Sousa debaixo da palhoça construída por ela e seu companheiro, onde estiveram Vilma Mellado – de El Ciruelo Sur no Chile; Soraya Vanini Tupinambá e Romária Holanda – do Instituto Terramar; e Cleomar Ribeiro, Luciana Sousa e Ana Paula Gonzaga da Silva – quilombolas do Cumbe. 

Se o encontro fortalece a luta, reforçamos que não só o das mulheres que estiveram presentes ali naquele dia de janeiro, mas também a de todas, todos e todes nós que aprendemos com essas mulheres de luta, portadoras de visão e de modo de viver o mundo em respeito e conexão com as diversas formas de vida, dispostas a dedicar seu tempo, saber e energia em defesa do planeta.

Nesse sentido, transcrevemos essa conversa da tarde e esperamos com essa partilha que mais gente aprenda com as reflexões dessas mulheres e se agregue ao grande encontro necessário para fazer frente aos projetos de destruição.

Soraya: Eu vou começar com Vilma se apresentando e depois fazemos uma rodada.

Vilma: Meu nome é Vilma, Comunidade El Ciruelo Sur, região central do Chile. Uma das poucas zonas rurais agrícolas que restam no Chile. Na nossa região ficamos no centro. Na zona das montanhas, os rios são como canais, não são rios, porque fizeram as centrais hidrelétricas.

Soraya: Artificiais?

Vilma: Não são artificiais, é por causa das hidrelétricas.

Luciana: Ah, por isso são artificiais. Mas antes eram rios?

Vilma: Sim, aí, quando fizeram isso, enterraram cemitérios indígenas. Foi uma luta de muitos anos. As anciãs das comunidades indígenas… uma delas amanheceu flutuando no rio. Nossa zona é zona rural agrícola. Criação de gado, leite. E a zona costeira também está com as mineradoras e com as especulações imobiliárias. Estamos rodeados de monocultura, sobretudo de pinho, eucalipto que nesta temporada que é verão, temos muito incêndio. E muitos deles são provocados porque têm seguros altos. E também fazem isso para poder usar essa terra para poder construir casas, porque são bosques nativos protegidos, e quando queimam, podem construir. Os aerogeradores lá são muito mais altos do que pra vocês, cerca de 220 m. E estão muito próximos das casas. Não há normativa que determine uma distância maior. Algumas torres estão a menos de 200 m da casa, então é um transtorno. 

Soraya: A sombra que é feita é de 2 hectares, e a comunidade fica sob efeito de uma luz piscando, como uma boate.

Vilma: É cortante!

Vilma: Há pessoas que têm epilepsia; se acentuam quadros de crianças com déficit de atenção; de pessoas com depressão. E o ruído lá, faz que tenha dias em que não dormimos. E o nosso problema com água é que como eles (aerogeradores) são muito grandes, (nas fundações) o raio que abarcam com cimento e a sua profundidade é enorme. E ademais, depois que vedam com cimento, enterram uns ferros grandes de 60, 80m. Antes de fazer isso, nas áreas onde vão construir, secam essa região toda de água do lençol freático (napas). Ficam 1 a 2 meses fazendo isso. 

Soraya: Não tem água potável. Toda água deles é extraída com bomba dessas áreas.

Vilma: Os poços duravam 3 dias e agora a água dura só 1 dia. Antes tínhamos água a 3m, e hoje a 9m não encontramos mais. 

Cleomar: Meu Deus!

Vilma: Outro tema importante é que isso é utilidade pública. Necessidade superior. 

Soraya: Então “pode tudo”. Passa por cima da legislação.

Vilma: E todas são empresas transnacionais. O Estado lhes aporta 30% e todas são projetos de 450 milhões de dólares. Em 3 anos recuperam o investimento feito, graças à comercialização da energia. Não há mitigações e compromissos que devam cumprir. Os compromissos são voluntários.

Luciana: Aí é que a destruição acontece mais.

Cleomar: Aí é que o descaso é maior. Aí, minha irmã, já não tinha mais nada não, acabou tudo.

(Vilma mostra vídeo sobre impactos das eólicas produzido por sua comunidade)

Soraya: Os impactos ambientais começam com a construção do parque, que leva dois anos para ser construído. A mitigação que eles fazem lá é um tapume para proteção de poeira e vento. Ou seja, um mero paliativo.

Vilma: Imagina que tudo isso aqui é um campo, e essa estradinha nos separa de uma parcela muito grande de terra na frente são 35 famílias e na frente se instala o parque de 80 hectares. Se aluga a grandes proprietários para colocarem as torres. Esses projetos foram apresentados no ano de 2014, quando obteve a legalização de qualificação ambiental sem estudo. Fazem o projeto e simplesmente declaram as informações eles mesmos, a partir de modelos. Em 2020 começaram a construir o parque na frente dessas 35 famílias de nossa comunidade. É muito fácil trapacear com as normas no Chile. Apresentam o projeto e tem a resolução de qualificação ambiental e depois modificam completamente o projeto. As torres eram pra ser de 143m, quando uma com 2,4 MW (potência). Agora quase dobrou, são de 4,2 MW.

Soraya: Isso sem fazer qualquer atualização para o órgão ambiental!

Cleomar (vendo o vídeo): Nós do mesmo jeito, nós sofremos muito com o trânsito de carga.  

Vilma: Aqui, quando se transportam as pás, as transportam com escolta policial?

Luciana: Não. Tem uma escolta, mas não é policial, chamam-se batedores. Só pra controlar o trânsito para quem vem na frente. É uma empresa privada contratada (de segurança). Olha aí (vendo o vídeo de Vilma), lá é com policial!

Vilma: Eles chegam na nossa região vinda da 5ª região. Estamos na 8ª região.

Soraya: Oitava região. Quantas regiões são no Chile?

Vilma: 16.

Soraya: Eles saem da 5ª para a 8ª região com escolta policial. É longe né, Imagina que o país todo são 16 regiões, se coloca o aparato estatal a serviço de interesses privados.

Luciana: Fazem dobrado um policiamento só para essa construção.

Vilma: Só tem uma estrada que une a comunidade ao local onde tem médico. E quando transportam as pás, impedem o trânsito. E não avisam, porque as pessoas poderiam se programar quanto aos compromissos médicos e hospitalares. Algumas especialidades levam muito tempo para se conseguir agendar, e acaba se perdendo. É tão grande a falta de consciência que a polícia trabalha para a empresa. Teve um caso em que quase morreu uma pessoa pela falta de oxigênio. São tão intransigentes os policiais, que se pedimos para passar, eles nos dizem “Não, não!”. Precisa de muita pressão de gente para fazer passar uma ambulância. Porque só o que dizem é “Não, não!” São vendidos!

(Segue mostrando o vídeo)

Vilma: O asfalto nas estradas não dura nada. As estradas são feitas para sustentar 10 toneladas, e só os caminhões pesam 45 toneladas. 

(Mostrando no vídeo) para demonstrar o cimento que transforma uma área verde, em uma área seca. Eles extraem a água, e a desviam.

(Mostrando no vídeo) Nós tínhamos um bosque e assim que a empresa entrou, eles destruíram 25m de um bosque na frente da entrada da empresa, completamente ao acaso. E a resposta foi “Foi um equívoco”.

Chegaram os carabineiros (é a instituição de polícia ostensiva do Chile) para ver se levavam os trabalhadores presos porque estavam com as máquinas, mas não fizeram isso. No outro dia fecharam a porta da empresa e não deixaram ninguém ir trabalhar. A pressão foi enorme. Vieram carabineiros de maior patente, de diferentes regiões e queriam nos levar presos. Então dissemos “Perfeito. Nos levem, mas vocês vão ter que levar os representantes das empresas”. Porque não levaram os trabalhadores no momento do flagrante. Pressionamos muito e exigimos que fossem os mandantes da empresa responsabilizados. Queríamos que os cargos mais altos, de gerentes, diretores (fossem levados, responsabilizados). E dizíamos que nós não sairíamos até que viessem os chefes. Como os carabineiros sabiam que não era lícito, ficaram uma semana. Chegou o gerente de assuntos corporativos da empresa, o gerente de relações comunitárias e fizeram um percurso por toda a zona. Separaram as casas que estavam a  menos de 200m, e que iam sofrer com ruídos, sombras, tudo isso. Conseguiram chegar ao Ministério de Energia. Começaram mesas de negociação com ministério e altos dirigentes da empresa. Faziam isso na própria comunidade. Não aceitavam ir para os escritórios das empresas. E assim conseguimos eliminar 5 torres que estavam a menos de 100m das casas. E isso significou um prejuízo grande para as empresas porque toda a fundação já estava feita.

(Mostrando vídeo) Isso é para mostrar a vocês os ruídos. Mesmo não funcionando, eles vibram, a terra vibra. 

Os decibéis permitidos na zona rural são 50 decibéis, mas os projetos ultrapassam esse valor facilmente.

E esse é o efeito sombra. 2 hectares de efeito sombra.

Luciana: É um negócio literalmente que fica direto, essa sombra passando.

Vilma: Os animais se estressam. Nossa zona é de produção de leite e as vacas não produzem o mesmo leite porque ficam sem saber se está escurecendo ou não.

(Mostrando o vídeo) Esse homem tinha 50 caixotes de abelhas (usadas para polinizar plantações) e com 6 meses do projeto funcionando, ele passou a ter 4 caixas. Agora não tem mais nada. As abelhas são impactadas. 

Soraya: E a plantação também indiretamente, na medida que os polinizadores estão se extinguindo na região.

Vilma: Sim. Nós temos muitas aves na nossa região. Todas migram certa parte do ano. Uma medida de mitigação que dizem fazer, é a remoção de carcaças, que nada mais é que a remoção dos cadáveres de animais mortos pela movimentação das pás dos aerogeradores. 

Soraya: É de um cinismo sem par, afirmar que o recolhimento de animais mortos é a mitigação.

Cleomar: Meu Deus do céu!

Soraya: É chocante!

Cleomar: Eu vi muitos pássaros dentro da lagoa quando eu ia para a Lagoa do Murici.

Soraya: Aconteceu no Fortim.

Vilma: A junta de vizinhos (associação) tem muito poder. A zona rural é de gente humilde e de pouca educação, por isso se aproveitam. A junta é conivente, assina embaixo do projeto.

Soraya: Tem um barulho semelhante a uma explosão.

Vilma: (mostrando o vídeo) Essa é a afetação que temos todos os dias. 

(mostrando o vídeo) Isso é a cidade. E tudo isso é a zona rural. Temos uma comuna aqui, ali outra, ali outra. Nossa comunidade está aqui. Estamos a 8km da cidade. Tudo isso que estão vendo são torres de eólicas. Nós só georreferenciamos a zona poente de Los Angeles. Nessa área que eles achavam que não tinha nada, tinham parques fotovoltaicos. Aqui na nossa comunidade, em um raio de 20 km, tem seis projetos eólicos em torno da comunidade e seguem colocando. E como não temos sistema de proteção legal, o que descobrimos para nos defender, foi descobrir que eles fracionavam o projeto. Isso sim tem um argumento legal que podemos reclamar, mostrar a fragmentação de um mesmo projeto. 

A outra arma que nos resta é comprar o mesmo medidor de ruído que todos os projetos usam para contrapor a empresa na Superintendência de Meio Ambiente que recebe as denúncias ambientais. Nossa região se chama “Biobío” e tem 14 comunas. E há apenas 5 funcionários para receber e fiscalizar todas as denúncias dessa região inteira. E cada vez que vão fiscalizar ruídos, a empresa para de funcionar ou reduz a capacidade de funcionamento. Então, ao ter essa mesma ferramenta, vamos poder atacar mais forte, porque isso vai a um satélite, não tem como manipular. 

Essa é nossa realidade. Os políticos estão envolvidos. Lá temos um deputado que tem participação em terreno (dos projetos de eólicas). Os municípios vão contra todas as comunidades. Porque as empresas apresentam o projeto primeiro às prefeituras, para conhecer o território, que entrega todas as informações. Esses projetos precisam, para poder caminhar, de apoio de duas organizações locais de comunidades (quaisquer que sejam). Procuram as que estão mais longe, oferecem alguma capacitação ou dinheiro, e assim o projeto é aprovado por todos. E a única forma que usam para sua difusão, é um aviso na rádio, no diário oficial. E se alguém reclama, pode pedir participação cidadã.

A participação cidadã significa que a empresa se prontifique a apresentar o projeto sem possibilidade de alteração. Mas podemos fazer observações no sistema de avaliação ambiental que tem pela internet. Essas observações que permitem parar projetos. Nós chegamos a parar dois projetos com base nessas observações. Conhecer os projetos é uma coisa muito complicada porque ficam em uma página que tem muitos projetos e muitas informações técnicas, e nos dedicamos a traduzir isso para as pessoas. Os lemos, informamos para as comunidades, solicitamos participação cidadã. É assim que temos feito educação popular. Se uma autoridade diz “não há nada o que fazer”, nada se faz.

Cleomar: Aqui eu pensei que nós estávamos no descaso total, mas lá…

Vilma: Todos esses documentos, temos que lê-los. Porque aqui vamos encontrar como fizeram cada parte. As autoridades vão perguntando, como vão responder algumas coisas, mas temos que lê-los. Um documento que se abre, vai levar a outro documento… Mas nós já sabemos quais são as chaves que temos que focar. Se vamos fazer uma denúncia, o percurso não termina. Vai atrás de uma pergunta, que leva a outra, a outro documento, e por aí vai…

Georeferenciar as torres dá um trabalho enorme. Tem um sistema de georreferenciamento. Se não fizer essa transformação, é mandado para China, para Europa… No Chile tem uma Lei de Base, mas sua interpretação protege mais os empresários do que as comunidades. A única coisa que diz é que as comunidades têm direito de viver em um meio ambiente são, e livre de contaminação. É tudo que tem escrito. O resto é todo pros empresários.

Soraya: Eu vou fazer uma proposta pra vocês. Um ping-pong. Rapidinho, 3 min, fala o lado brasileiro, qualquer uma das quatro, e de outro lado, a Vilma. Eu vou colocar os temas, certo? Como as eólicas impactaram a água? Vamos começar pelo Brasil?

Cleomar: A gente vem percebendo como na área de duna onde está instalado o parque eólico, é uma área esponjosa, é o nosso reservatório de água. O que a gente vem sentindo é que por conta da extração da água na fase de implantação, pelo desmonte das dunas, e do peso da estrutura desse parque, está baixando o nível de nosso aquífero, está profundo, nossas lagoas estão custando a encher. A gente está percebendo a dificuldade da água ser muito rasa, está mais profunda. É um impacto que temos observado muito. Pela dificuldade das nossas lagoas encherem hoje…

Luciana: Eu diria que vejo até hoje as chuvas. Parece que elas são direcionadas. Não são mais como eram. Não tem mais a mesma intensidade. É como se alguma transição dessa modificasse o vento. A chuva em vez de vir daqui, ela faz um rodeio e vem ao contrário.  Isso quando vem! Normalmente, quando ela se modifica, tanto é que quando vem os períodos de chuva, pra mim, se modificou.

Cleomar: Trazendo um desequilíbrio total. Ninguém tem uma pesquisa, mas são coisas que a gente vem percebendo.

Soraya: Uma mudança no regime dos ventos e na própria direção da chuva. E no Chile, Vilma?

Vilma: Se apropriando das águas subterrâneas (lençol freático) e secando. No Chile estamos com crise hídrica. E são poucas as partes que têm água, porque a zona costeira e zona da cordilheira já estão secas porque estão cercadas de monocultura. Então onde tem reserva de água, está sendo saturada pelas máquinas de aerogeradores e estão comprometendo nossa soberania alimentar. Promovem na publicidade, mostram os aerogeradores com grandes produções (agrícolas), mas essas grandes produções acontecem nos territórios dos grandes proprietários, porque eles têm dinheiro para bombear água de grandes profundidades, têm os direitos sobre a água. E ademais, o Estado os subsidia com relação à água. Os pequenos produtores não têm essa capacidade de acessar a água do mesmo jeito. Nós não podemos fazer uma escavação tão profunda, pois não temos os meios, nem o maquinário. Os empresários recebem subsídio e tudo para poder acessar. Isso tudo faz com que possamos perder soberania alimentar. E leva ao desalojamento, obrigados a nos mover de nossa região. Nossa região está se transformando em uma região de produção e exportação energética. Já temos as linhas de transmissão para transportar energia gerada pelas eólicas para a Argentina.

Soraya: Não é para o povo chileno…

Vilma: Em nossa região, nada do que se produz de energia é para a região. Seja pelas centrais hidrelétricas, seja pelas eólicas, todas vão para as centrais, inclusive, o pessoal da zona das cordilheiras, que é área das centrais hidrelétricas, onde intervieram sobre os rios por completo, se paga 3 vezes mais o valor da energia que todos os demais.  

Soraya: Então falamos de água e um pouco sobre segurança alimentar. Como as eólicas impactam no Cumbe a segurança alimentar?

Cleomar: Uma das coisas foi a privatização do acesso. Por exemplo, os pescadores (não) chegam na praia. Vamos ter pesca periódica, como agora no inverno, foi uma luta muito grande para o pescador poder chegar na praia e pescar. E outra atividade de pesca, é a feita na região das lagoas, é uma região onde a gente pescava.. piaba, traíra, tilápia. (várias lagoas foram extintas). 

Eles diziam ainda que podia causar um acidente, porque muitos pescadores passavam pelos parques, aterrorizavam pelo medo, e os pescadores mesmo enfrentando esse medo, a necessidade era mais gritante, de pescar, ter alimento, sua economia. Uma das questões sobre a pesca é que os pescadores assinaram um termo de responsabilidade, o que aconteceria dentro do parque eólico, eles seriam responsáveis. Então dá o direito pro pescador, mas responsabilizando o pescador pelo que viesse a acontecer com ele.

Vilma: Cada aerogerador tem uma zona de segurança. Por isso não autorizam a entrada. E eles exigem que não haja ninguém perto de uma torre. Em todos os países, porque se cai uma pá ou uma corrente, sabem que a responsabilidade é deles. 

Soraya: Criam esse impedimento para não ter que se responsabilizar por qualquer dano. E agora, como as eólicas impactam a vida das mulheres no Cumbe e em El Ciruelo Sur?

Cleomar: Eu percebo que hoje com o parque, a gente não tem mais aquela liberdade, como eu já até falei, tenho muito medo, dunas, praias, tem muita gente de fora, muito homem circulando nessas dunas. O parque também prejudicou nossas lagoas, soterrando, lagoas onde fazíamos nosso lazer, onde nós mulheres lavavam roupa. Isso tudo foi prejudicado, nossa relação com os ecossistemas (dunas, mar, manguezal). Da gente colher lenha, colher fruta. Tirou nossa relação, por muitas vezes ter medo de ter muito homem, impactou muito essa relação, essa cultura que as mulheres aqui tinham no território de total liberdade. A gente não tinha medo. Andava essa duna todinha. Hoje a gente morre de medo. E muita gente de fora. A gente então tem medo de andar no parque. Tiraram a nossa liberdade de caminhar sem medo.

Vilma: Nós não temos esse problema porque os trabalhadores não se relacionam com as comunidades.

Luciana: Aqui é dentro. Eles tem total relação com a gente.

Vilma: A única proximidade que tem é a hora do almoço. Os levam (todo dia) para trabalhar em um micro-ônibus e depois os levam embora.

Ana Paula: (Lá) Não ficam na comunidade. Aqui quando foram se instalar nas comunidades, muitas casas foram alugadas para esse povo.

Soraya: Se fosse acontecer de novo, seria interessante de repente não permitir a permanência de trabalhadores nas comunidades.

Cleomar: Ficou um convívio de muita proximidade. As casas eram muito próximas. Casas tinha assim aqui um monte de homem, então a gente tinha relação diária com esses homens. Nessa casa aqui só moravam mulheres, crianças, adolescentes, se tornaram famílias muito vulneráveis, mulheres sem condições. Esses homens prometiam um monte de coisa. E aí eu vi muito desrespeito. 

Soraya: Começam as brincadeiras e vai evoluindo né?

Cleomar: Eles bebiam. Prometiam coisas. Bebiam lá no (cita o nome). Eu ainda lembro o nome dele. Eles bebiam. A gente sofria muito assédio, viu, por conta desses homens de fora. Os velhos chatos bebiam, minha filha, e ficavam falando coisa. Por mais que a gente falasse duro, eles eram enxeridos que só, os velhos. 

Vilma: Tem filhos de paternidade irresponsável?

Luciana: Sim.

Ana Paula: Na minha cabeça tem 3. (fala os nomes)

Soraya: E quantas pessoas tem no Cumbe?

Luciana: Aqui tem 209 famílias. Então deve dar umas 800 pessoas.

Soraya: Então tem 3 filhos assim, e pode ter mais. As mulheres podem não querer falar sobre isso.

Cleomar: Muitas mulheres não querem trazer isso exposto não. Trazer essa fala.

Vilma: Tem o problema do machismo? Lá quando começaram a construir o parque lá, nós começamos a tirar fotos, registrando tudo, fomos muito firmes. Às vezes eles falavam gracinha, tipo “não fica nervosa que eu te dou um beijo”, mas fomos muito firmes.

Cleomar: Aqui surgiram muitos bares na época. Pessoas em suas casas abriram bar. Era muito homem e as pessoas queriam beber. Som muito alto, altas horas. Vinham também mulheres de fora atraídas por essa quantidade muito grande de homens. Homens endinheirados, diziam e tal. Então atraía outras mulheres também. Então ficava altas horas, bebedeira. Tinha briga de vizinho por conta disso. “Fulano abriu um bar, estava com som alto”. Surgia isso demais.

Soraya: Um transtorno que poderia ser evitado totalmente né.

Cleomar: Sim

Soraya: Ok. Então, Som! Como é o impacto do ruído? Acho que Vilma falou já sobre isso.

Ana Paula: Mais ou menos parecido com o nosso aqui também. Como é mais distante, mas quem mora na beira da estrada, não tinha sossego não. Você meio do dia não descansava a cabeça, e a poeira? 

O som que você fala é do parque? 

Soraya: Todo tipo de ruído.

Ana Paula: Os transportes também! Porque para passar com as torres, as pás, era uma zoada. Os carros passando. Casas rachando…

Soraya: E as rachaduras nas casa…

Cleomar: Muitas casas caíram. As de taipa desabaram. A escolinha daqui quase caiu. A igrejinha do Senhor do Bonfim antiga quase caiu. O forro. O trânsito chega batia direto. Caçamba carregando a terra para fazer a estrada, terraplenagem. Era muito, era intenso, começava muito cedo e terminava muito tarde.

Vilma: A vibração do ruído, nós já sofremos muito. Tínhamos uma pessoa que estava com câncer, e fazia quimioterapia, precisava descansar, e não conseguia.

Cleomar: O trânsito fazia tremer. E eu nem morava perto da estrada, imagina quem morava. Surgiram várias doenças respiratórias. Teve o impacto do transporte, a poeira. Na época não tinha pista, era carroçal. A gente obrigada eles a aguar. Aí aguava, e ficava lama. Vinha carro pipa para aguar. O ruído em si da torre, como temos essa distância, não incomoda tanto. Mas no inverno, por exemplo, quando tudo está calmo, você escuta. Mas aqui não chegou ao ponto de reclamar não.

Soraya: E no caso dela (Vilma), percebemos que é bem grave.

Cleomar: Se fosse perto assim, com certeza ia incomodar a vida da gente.

Soraya: E a legislação, seria bom falar sobre ela. Na nossa legislação, os projetos de eólicas eram trifásicos. A lei Ambiental… Tinha que ter licença prévia, de instalação, de operação e o estudo de impacto ambiental. Depois, ele foi flexibilizado. Ficou só (obrigatoriedade de) licença bifásica: licença prévia e de instalação e operação juntas, só duas, e um estudo simplificado de viabilidade ambiental, mas mesmo assim tem. E tem audiências públicas obrigatórias. Que pode se chegar a um acordo, alterar o desenho do parque. E aqui acho que vocês podiam falar da luta como foi… 

Cleomar: A gente já queria barrar de início pelos sítios arqueológicos, pela equipe contratada ambiental para fazer o estudo, onde a gente alegava os vários sítios que encontrávamos. Ia ser instalada em um local de vários sítios arqueológicos, históricos e pré-históricos. Isso a gente tentou. E na época, a equipe ambiental, avaliando todo o processo, deu que poderia fazer esse estudo em dois anos, e eles queriam rapidez. Despediram então essa equipe e contrataram outra equipe, que faria esse mesmo estudo em 6 meses. E foi passado. Foi concedido de esse parque acontecer passando por todas as estruturas dos sítios arqueológicos. Foi um dos maiores crimes, um dos crimes horríveis que foi tirar os acervos daquelas ocupações ali naquele parque, debaixo das dunas. Como eu digo, um lugar muito sagrado, um lugar de espiritualidade, um povo de muitos saberes. A forma como se construiu, ir lá e jogar concreto. A forma como foi tirado acervo daquele povo ali. E foi tirado de qualquer forma, levado de qualquer forma. Por isso nasceu o museu. Foi uma pauta nossa. Que as peças voltassem pros locais de origem. E nós aqui no Ceará não tínhamos um espaço de arqueologia onde fossem colocadas. E surgiram várias questões…

Soraya: Conseguiram o museu?

Cleomar: Conseguimos. E saiu o museu, essa pauta reivindicada, era como se fosse uma compensação. Muitos não acreditavam, mas hoje o museu está aí. Feito de bioconstrução, muito parecido como a gente queria que fosse, muito a nossa cara. Apesar de que hoje está fechado, é outro processo de história longa. Enfim, daí aquele abuso todo que estava acontecendo nessa construção. Começaram as chuvas, era muita lama, abuso de poder muito grande, acidentes acontecendo na comunidade, não tinha respeito no trânsito, tinham uma velocidade de bater a meta e tal, foi gerando problemas e o povo da comunidade foram ficando com raiva, questionando várias coisas, teve vários momentos que foi fechado e aberto (as vias). Alguns fechavam por um dia, e aí eles vinham, dialogavam que iam fazer isso e aquilo, aí abria. E aí teve um momento que a gente falou “chega, não vamos abrir mais, chega de tantas promessas”. Fechamos a estrada por 19 dias. Nesse fechamento, trabalhamos 20 pautas. Como foi arrendado por 20 anos, cada ano seria uma forma de pagar uma reivindicação pedida nesse momento. Ia ter pauta que cairia para o Estado, outra para o município, (outra) para a própria empresa. Algumas foram feitas, outras não. Foi um momento de muita luta, onde a comunidade toda estava unida neste momento. percebemos que todos nós estavamos impactados com aquilo. Todo mundo sofreu com a chegada desse parque. Foi uma força muito grande o povo da comunidade nesse momento. A gente articulava com fogos, corria muita gente. Todo mundo vinha. Quando estava tenso, eles ameaçavam constantemente, a polícia vinha pra tentar fazer abrir, chamavam a gente de terrorista, mas foi muito forte ter a comunidade em peso nessa luta. Algumas coisas foram atendidas, outras não.

Soraya: E a divisão da comunidade vem com as eólicas ou com o processo de reconhecimento quilombola?

Cleomar: Quando o parque se instala, a comunidade está muito fortalecida, porque todo mundo estava sofrendo aquele impacto. Na sequência da caminhada, já instalado o parque, e as vias de comunicação atrapalhavam, já tinha uma associação, eles fazem um curso de associativismo, que foi uma forma deles criarem uma associação. É como se eles se sentissem representados. Começou muito daí… Ela já vai trabalhando nessa divisão, até pela criação dessa outra (associação). Quando ela foi criada (eólica), a associação já estava pronta. A empresa trabalhando… Tem aqueles que reproduzem tudo o que eles dizem “o desenvolvimento é bom. A empresa é boa”. Eles cooptam essas pessoas, favorecendo… E tem aqueles que não entendem que eles estão destruindo nosso território, nossos acessos, nós estamos sendo privados.. É mais ou menos por aí.

Soraya: Já falamos sobre a diferença de legislação, a água, sobre a vida das mulheres, a sombra, os sons, da segurança alimentar, deu uma geral em tudo. E agora contou um pouco a história da luta.

Vilma: Creio que devemos abordar a luta pela parte sinérgica do projeto. Começar a fazer denúncia, não pensarem que se vem trabalhadores de fora, tem que pensar que não se coloquem mais projetos, pois o efeito sinérgico, tem que apontar. Lá conseguimos, em outra comunidade, eliminar um projeto, porque já tinham muitos projetos de eólicas. E se somasse o impacto deles, o efeito sinérgico, impedia, porque não dava mais. E isso é o que tem que apontar aqui, o efeito sinérgico. Lá como temos muitos projetos muito próximos, nós temos o efeito de barreira da comunicação. Não temos sinal de telefone, internet ou de televisão. Como os parques estão tão perto, fazem barreiras na comunicação.

Soraya: A junção de dois impactos de projetos potencializa o impacto regional. O Cumbe tem efeito sinérgico também por conta de projetos de eólicas e de carcinicultura que impactam simultaneamente o território. Impacto sobre as águas, o manguezal, a alimentação. Sofrer a junção e o efeito sinérgico de duas atividades, magnífica o impacto. 

Vilma: Também podem solicitar audiência em tribunal internacional. Um por segurança alimentar, nós também devemos pressionar por isso, e outro pela cultura. Entram na convenção 169?

Soraya: Sim. Nós já fizemos uma discussão sobre isso e a próxima etapa é cada qual construir seu protocolo comunitário. Seria importante o Cumbe ter seu protocolo. É um documento em que a comunidade diz como ela deve ser consultada. Por exemplo, vocês podem fazer um documento em que consta: “Pra  gente ser consultado, deve ser feita uma assembleia com tantas pessoas, essa assembleia anteriormente, a associação deve receber o projeto na íntegra.”, com todas as informações, você diz como é o processo de consulta e como a comunidade decide se quer ou não o projeto, ou em que bases seria possível, a depender de cada caso. É como se fosse um guia de como vocês fazem o processo de informação e consulta na comunidade.

Acho que podemos ficar por aqui, já temos bastante assunto, e podemos tirar uma foto do grupo todo que dialogou no dia de hoje. Agradecer demais as companheiras todas que nos acolheram aqui, o Ronaldo que esteve com a gente na embarcação, agradecer o almoço, a troca, tudo foi maravilhoso, e a gente agradece demais!

Luciana: A gente também agradece. Também é bom saber. Quando a gente sabe que tem pessoas que também passam por essa situação, ou vivendo pior.

Soraya: Que Luciana possa ir visitar a Vilma.

Vilma: Perdemos muita terra com milho, porque tínhamos um canal que na época da chuva recebe água do rio. E alagou tudo porque criaram canais de irrigação. 

Soraya: Lá não tem defensor público. Eles têm que pagar seus advogados. Tiveram que pagar para reclamar da empresa pelos prejuízos, pela perda de safra de milho que foi em função da atuação da empresa.

Vilma: Assim, tomamos 4 meses da empresa sem trabalhar. Demos um prejuízo para a empresa de 33 milhões diários. Está na justiça.

Luciana: Lá tem instituições que acompanham, apoiam?

Vilma: Tem organizações, mas sempre é débil na hora de contratação de advogados. Nós temos 2 canais no youtube, um Comunidad El Ciruelo Sur, são mais de 90 vídeos com todos os comentários e documentação dos impactos, e todas as ações que fizeram as demandas públicas. E o outro (canal) é Coordinadora Socio Ambiental BioBío, de que faço parte, e que está à frente de todas essas demandas. 

Somos perseguidas, censuradas a todo tempo. Tentam evitar que tenhamos acesso a comunicação. Nos chamam de extremistas. 

Soraya: do mesmo jeito aqui!

Cleomar: É.. “terrorista”, nós do mesmo jeito. (ri)

Soraya: Vamos tirar nossa foto?

Vilma: Vocês tem alguma bandeira?

Luciana: Do quilombo! Estamos sem bandeira aqui, mas podemos tirar foto lá (na associação do quilombo).

Canais do youtube mencionados por Vilma, de onde ela partilhou vídeos durante a entrevista: https://www.youtube.com/@comunidadelciruelosur1556 ; https://www.youtube.com/@coordinadorasocioambiental8259

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