SOS OCEANO fundada em evento paralelo à cúpula da Amazônia chama atenção para importância dos oceanos e da proteção dos ecossistemas marinhos para o Clima 

Evento “Som do Oceano” reuniu em Fernando de Noronha representantes de organizações sociais nacionais e internacionais, acadêmicos, pesquisadores e representantes do poder público em criação da aliança SOS Oceano. O Instituto Terramar esteve presente e contribuiu no painel sobre o papel da sociedade civil na conservação do oceano e nos grupos de trabalho relativos às áreas marinhas protegidas.

Evento “Som do Oceano” reuniu em Fernando de Noronha representantes de organizações sociais nacionais e internacionais, acadêmicos, pesquisadores e representantes do poder público em criação da aliança SOS Oceano. O Instituto Terramar esteve presente e contribuiu no painel sobre o papel da sociedade civil na conservação do oceano e nos grupos de trabalho relativos às áreas marinhas protegidas.

Por Núcleo de Comunicação / Instituto Terramar

Nos dias 4 e 5 de agosto a ilha de Fernando de Noronha (PE) sediou o evento “Som do Oceano”, organizado pela organização social Sea Shepherd Brasil, com dois dias de palestras e atividades voltadas para a conservação marinha do Brasil e do mundo e para acelerar a proteção do oceano no país. A iniciativa contou com a participação da Mission Blue, organização internacional dedicada à criação de áreas marinhas de proteção integral, ou “no-take”, no mundo, e a programação teve  colaboração de pesquisadores e cientistas, além do Instituto Baleia Jubarte, WWF, Greenpeace, NEMA, Instituto Terramar, Tamar e Projeto Golfinho Rotador, bem como representantes do Ministério do Meio Ambiente, da Marinha do Brasil, do ICMBio e do Governo de Pernambuco.

A data do encontro é significativa por acontecer concomitante à Cúpula da Amazônia, evento para o qual o presidente Lula recebeu nos dias 08 e 09 de agosto  em Belém-PA representantes dos países onde a floresta amazônica é localizada, a chamada Amazônia legal ou internacional,  no intuito de discutir iniciativas para o desenvolvimento sustentável na região, com participação do poder público e aliança internacional voltada para o tema. 

O propósito do encontro foi chamar atenção para a também, porém invisibilizada, importância dos oceanos para o equilíbrio hídrico, biológico e térmico do planeta. Assim como as florestas, o oceano muito além de possuir papel crucial para a produção do oxigênio, o sequestro de carbono e o combate ao aquecimento global, possui valor em si e com ele muitas vidas estão envolvidas, mas não tem a mesma mobilização de artistas, influenciadores e políticos que, por exemplo, a floresta Amazônica felizmente tem. Longe de ser uma disputa, a mobilização se dispõe a despertar mais atenção para a realidade ambiental dos oceanos no debate nacional e internacional sobre aquecimento global, conservação de biomas e espécies, e a vida, como um todo, no planeta.

O objetivo central do evento foi formar uma aliança de defensores do oceano, visando exigir maior proteção dos ecossistemas marinhos a curto, médio e longo prazo, além de estabelecer um plano de trabalho e jornada para incidir sobre a proteção do oceano no Brasil. A SOS OCEANO foi assim criada e reune, até agora, especialistas de universidades e organizações sociais atuantes em defesa e pesquisa sobre oceanos no Brasil. A coalização pretende fortalecer o movimento pela exigência de maior proteção do oceano através de políticas voltadas para criação e gestão de unidades de conservação marinhas de proteção integral em articulação e complementação de estratégias de conservação com as de uso sustentável no país, estabelecendo decisões realísticas e razoáveis, até o ano de 2030, com participação da sociedade civil. 

Os acordos e tratados internacionais de proteção dos oceanos e o que está em jogo

O principal ponto de partida das discussões do encontro foi a alarmante situação da biodiversidade marinha planetária e brasileira e os prejuízos irreparáveis à zona costeira e destruição de ecossistemas marinho-costeiros, causados sobretudo pelo modelo de desenvolvimento hegemônico, seus megaempreendimentos e consequências da sociedade urbana-industrial (sobrepesca industrial, exploração de petróleo e minérios, ocupações urbanas, complexos industriais e portuários, poluição por plásticos etc) suas decorrentes destruições ambientais e impactos sobre o clima. Já é perceptível o embranquecimento e morte dos corais, a acidificação das águas, a mudança na temperatura, a migração e morte das espécies – várias espécies na iminência de extinção ou significativa redução (90% das populações estudadas de peixes estão sobrepescadas ou em colapso, conforme relatório da FAO).

Os ambientes oceânicos, marinhos e seus ciclos ecológicos são fontes de sustento, alimentação, ancestralidade, espiritualidade e renda de milhões de pessoas pelo mundo, além de que o oceano abriga a maior biodiversidade do planeta e é um dos maiores responsáveis pelo equilíbrio climático da Terra. Em reconhecimento a essa importância e urgência de proteger e recuperar a biodiversidade em risco nos ecossistemas marinhos, o Brasil assinou e ratificou alguns acordos internacionais, cujas metas e prazos devem ser observados e sobre os quais o Brasil deve respostas à comunidade internacional no caso do descumprimento. São alguns deles: a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), assinado em 1992 pela conservação da diversidade biológica no mundo, e o recente Marco Global de Biodiversidade de Kumming-Montreal, de dezembro de 2022, que tem como uma das metas a proteção de 30% das áreas marinhas até 2030. 

Dentre os mecanismos para a proteção dos oceanos, em debate está a aplicação de unidades de conservação integral, as chamadas “no take” ou o que podemos entender como garantia de áreas livres de atividades que envolvam a extração direta no local, incluindo a pesca, extração de petróleo, o estabelecimento de eólicas offshore, dentre outros. Segundo o  artigo publicado na revista Journal of Environmental Management em janeiro do ano passado, quando comparadas com áreas de acesso aberto, as áreas marinhas protegidas integralmente aumentaram a biodiversidade em 45%.  O Brasil possui 26,5% do território marinho brasileiro contemplando alguma proteção, mas apenas 2,5% da área costeira total era de proteção integral até 2022. As áreas totalmente protegidas podem ser eficazes mesmo quando pequenas, sob intensa pressão de pesca em seus arredores e mesmo com níveis reduzidos de conectividade, termo dado para corredores de áreas protegidas que permitem fluxo de animais e de vegetação, conectam patrimônio genético, variedades de espécies, fortalecendo a conservação ambiental. Para cumprir o marco global assinado no último ano no Canadá, então, restam apenas 6 anos para um aumento tão significativo da proteção marinha para o Brasil, um dos países com maior extensão de áreas costeiras e marinhas, consequentemente maior responsabilidade diante do mundo.

Participação do Instituto Terramar 

O Instituto Terramar, esteve presente no evento e contribuiu no painel “A importância da participação da sociedade civil na conservação do oceano”. Representado por uma de suas coordenadoras – Soraya Vanini Tupinambá, engenheira de pesca que também coordena o projeto “De Mãos Dadas Criamos Correnteza: Populações costeiras fortalecidas na luta por justiça socioambiental e climática” no Ceará, em parceria com o Fórum Suape (PE) e Instituto PACS (RJ).  Dentre os pontos destacados por  Soraya a mesma cita a importância da sociedade civil discutir e participar ativamente das políticas de decisões sobre os usos múltiplos do mar, como o planejamento espacial marinho e a prioridade que deve ser dada às iniciativas voltadas para a conservação da biodiversidade e das comunidades tradicionais, com seus modos de vida assegurados. 

Na realidade brasileira, a aplicação de unidades de conservação integral em terra, em muitos casos não têm consenso, na medida em que causam, ou agravam, conflitos ambientais, territoriais e fundiários, afetando, sobretudo, os modos de vida e os direitos, e criminalizando Povos e Comunidades Tradicionais. Segundo Soraya, no caso da proteção integral dos oceanos a situação é diferente, pois implica em ausência de atividades de populações tradicionais localizadas a muitas milhas da costa, e garantir sua conservação é vital para a vida marinha, para a qualidade dos ambientes marinho-costeiros e para a manutenção dos ciclos socioecológicos. “Se tratam de bancos de oceanos de alta profundidade, montanhas submersas, recifes mesofóticos entre outras formações onde não há pesca artesanal, às vezes nem industrial. Nessas áreas oceânicas a proteção integral é necessária para manter a biodiversidade, os ciclos socioecológicos e acaba por fortalecer os meios de vida da diversidade sociocultural presente nos territórios tradicionais que são relacionadas a biodiversidade, e de muitas formas, ameaçadas e/ou prejudicadas pelas atividades industriais.”, ressalta Soraya.

No Ceará, dentre muitas outras que acumulam danos e riscos, atualmente a luta pela conservação dos oceanos e mares vem enfrentando o planejamento descomunal e exponencial de empreendimentos eólicos marinhos por parte do governo estadual, federal e empresariado, em aliança com capital estrangeiro interessado na exportação de hidrogênio verde. Dos 79 projetos pré-cadastrados no Ibama, 23 são para o estado do Ceará. A preocupação para as comunidades tradicionais costeiras, ambientalistas, defensores e defensoras dos direitos humanos e pesquisadores é pela ausência de estudo de impacto ambiental, ausência de experiência desses empreendimentos em mares tropicais e pelo potencial impacto à pesca artesanal, aves, peixes, alteração de ventos, dinâmica de sedimentos dos fundos marinhos e de correntes. 

Importância das alianças e solidariedades nacionais e internacionais

Conservar os oceanos, seus guardiões, a biodiversidade, os ecossistemas, os modos de vida tradicionais que ancestralmente se conectam com o mar de modo sustentável é um desafio para as alianças das sociedades civis e ambientalistas e apresenta conhecidas e novas contradições. Destacamos as diferenças de posições e trajetórias no tabuleiro da geopolítica internacional e frente às tendências estruturais e conjunturais da imposição das grandes potências sobre os territórios do Sul Global, além da permanência de relações herdadas e naturalizadas em perspectivas coloniais. Países historicamente ditos como ricos, mas que dependem enormemente dos territórios e populações do sul para manterem seus modos de vida são mais responsáveis pela poluição do mundo, concentração e exploração de pessoas, países e bens comuns. O combate ao neocolonialismo climático, ao racismo ambiental e a exploração dos bens comuns como recurso privado são inseparáveis da conservação da biodiversidade, seja na floresta, no deserto ou nos oceanos.

A rede SOS OCEANO, formada durante o encontro,  pretende aumentar a importância do oceano na agenda do clima e do meio ambiente, ressaltando o reconhecimento da importância dos oceanos para toda a vida no planeta. Para o Brasil e outros países do Sul Global, é preciso que as alianças e solidariedades nacionais e internacionais estejam atentas para a realidade das injustiças e do racismo ambientais, pois a exploração desenfreada dos mares e oceanos e concentração de danos ambientais em determinados países e populações trazem consequências para todos, mas sobretudo, agravam violências, produzindo pobreza, destruição e dizimação planetária.  No caso dos impactos das eólicas marinhas, pretensamente ditas como produção de energia limpa,  é preciso reposicionar a questão, reconhecendo que para além das emissões de gases de efeito estufa, o aquecimento global e as mudanças climáticas estão assentados em modelos de usos e ocupação dos territórios e dos ecossistemas produzidos sobre desigualdades de poderes e muitas injustiças. 

Para mais informações sobre o evento: www.seashepherd.org.br/som-do-oceano-2023/

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